quarta-feira, 25 de julho de 2018

Pseudo Sol


quem vê o sol
através da janela fechada
comete o erro
de se aventurar na rua
de braços de fora
e alma nua

o vento, mesmo frouxo
corta a pele
e trinca os ossos

o frio
mascarado de sol
sempre pune os arrogantes

sábado, 21 de julho de 2018

Verme


de todos os bichos
o verme
é o mais democrático:
come corpo
de tudo que é tipo
de gente

gente gorda
gente magra
gente branca
gente parda

come tudo
o que dá pra comer
menos o osso
que é duro demais
e o caráter
- disse ele que costuma ser 
  de procedência duvidosa

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Por um fio


passei as mãos pelos cabelos com a desculpa de arrumá-los.
fiz dos dedos dentes de pente.
passei uma, duas, três vezes
alisando os fios com aparente carinho,
como um gato que se põe de barriga pra cima, num certo charme,
antes de se firmar no chão e atacar o passarinho.
eu, passando as mãos pelos cabelos, era o gato.
os dedos, feitos dentes de pente, logo virariam pinça
e arrancariam qualquer fio que julgasse fora do padrão.
puxei um, dois, três.
olhei de perto os fios arrancados e considerados inaptos
para permanecer nos cabelos.
procurei defeitos e inventei desculpas
que justificassem o assassinato.
tarde demais.
agora trago as mãos sujas por ter dado fim
a uma parte de mim.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Hemorragia


o poema
que coloquei no papel
não para de sangrar

se o papel estava limpo
e meus dedos sem cortes
só pode ser o poema
que sangra

como estanca?

tentei gelo no início do verso
água corrente na final da rima
até açúcar nas entrelinhas
e nada

deixo estar

esse poema
ainda deve ter muito
o que vazar