quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Bailarina

Pobre bailarina. Quando criança sonhava ser artista.
Nos palcos se postava elegante, impecável. Aqueles pés machucados de tanto ensaiar deslizavam... deslizavam... passos tão naturais que encantavam até os olhos mais desatentos e os corações mais rudes.
Na mocidade, sua beleza formava filas de jovens apaixonados querendo a honra de sua companhia. Mas jovens apaixonados não atraiam a bailarina. Ela era amante dos palcos, do calor dos holofotes e das silhuetas que a ovacionavam na plateia.
Naquela tarde fria e vazia, no corredor do Teatro Municipal, viu uma daquelas silhuetas de perto. Os olhos azuis penetraram fundo e o esboço de um sorriso nada tímido foram suficientes para desequilibrar aquela que flutuava na ponta dos pés.
Ele passou a acompanhar cada ensaio, cada espetáculo. Respirou do mesmo sonho que ela. Fez seu o sonho dela. Juntos, fizeram dos dias e das noites amantes.
Pobre bailarina.
Amou pela primeira – e última – vez.
Quando ele se foi, sem avisar, levou consigo o coração da estrela.
Aqueles pés machucados de tanto ensaiar agora deslizavam pela casa, sem rumo, sem encanto.
Na velhice, suas rugas contavam as histórias, as alegrias e a tristeza que teve na vida...
Naquela tarde fria e vazia, no corredor do Teatro Municipal, depois de longos anos de martírio, despediu-se dos palcos que há tempos não pisava. Despediu-se também da vida e foi ser feliz: não com a luz dos holofotes, mas com a daqueles olhos azuis.