quinta-feira, 28 de março de 2013

Cinza


camada invisível de gelo
um teto sobre o prédio mais alto
não deixava o calor do sol entrar
e aquecer a pele fria do asfalto

casacos todos fora dos armários
desfilavam enrugados pelas ruas
impregnando o cheiro mofado
nas, até ontem, partes nuas

apesar, fazia lindo dia lá fora
lindo e frio, fora
frio e sombrio, dentro

café forte e quente
tentativa falha de aquecer
o que a xícara fria, esfria

terça-feira, 26 de março de 2013

Alô

R$ 2,96
Este é o crédito que ela tem no celular tijolinho pré-pago.
Considerando que o retrô está na moda, ele até que poderia ser considerado vintage. Vintage que virou sinônimo de moderno. Mas não. Ele não é tão retrô assim. Tem só 6 anos e não traz o design da vovó, então, não passa apenas de um aparelho maior e com menos recursos que os outros. Ainda tem teclas, imagine você. Toque, só no sentido sonoro mesmo. Se bem que no outro sentido não é toque, é touch. É chique.
Com só R$ 2,96 para ligar, faz a lista mental de pessoas com as quais pretende conversar.
Algumas mal conhece, mas precisa; há burocracia em jogo.
Outras conhece bem, mas a urgência do telefonema não envolve documentos, pagamentos nem outros assuntos frios; é o peito que quer falar.
Pegou um pedaço de papel, rasgou no meio e desenhou em uma das partes um cifrão e na outra um coração. Dobrou, segurou entre as mãos, chacoalhou e puxou um, deixando à sorte.

- Boa tarde. Recebi uma cobrança indevida. Com quem eu falo?

terça-feira, 19 de março de 2013

Mente


Muito ou pouco
Mais ou menos
Bem ou mal
A verdade é que todo mundo mente

Homonismo – vale o neologismo
Não é coincidência, nem acaso
A mente mente
Surpreendentemente

quarta-feira, 13 de março de 2013

Condicional


Cante aos anos e eles dirão que sim
Que a vida é bela
Feito aquarela
Que nela, sim, se é feliz

Conte aos anos e eles dirão que depende
Que vai da sua vaidade
E que, na sua idade,
O que se espera é estar doente

Conte os anos e eles dirão: não
A vida é uma quimera
E que estamos na era
Que até Kant degenera

terça-feira, 5 de março de 2013

Crédito

o crédito te deixa no débito

te laça
suja teu nome na praça
limpar não é de graça
desespero não se disfarça
o tempo só aumenta a desgraça
te corrói como traça
você se entrega, sem couraça

e o crédito te leva a óbito