terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Metades


A laranja era daquelas cascudas. Cortei uma lasca fina no começo. No fundo, o que se espera de uma laranja é que ela tenha pouca casca e muita fruta. Mas essa era daquelas cascudas. Cortei mais fundo até chegar no limite do bagaço. Bem no limite. Segurei a faca cega com firmeza e tratei de descascar o resto. Os movimentos da mão com a faca eram pura maestria, um domínio quase perfeito. Ouvi meu nome. Olhei para o lado. A faca cega me cortou. Eu sangrei. A laranja soltou seu sumo como um veneno.

Um pouco na laranja estava em mim. E um pouco de mim, na laranja.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Capricho


O editor ligou perguntando do texto.
Disse que estava indo bem, que mandava no final do dia.
Ele me pediu capricho.

Fiquei pensando se ele pedia a mesma coisa para todo mundo. Se pedia texto com paixão para um, texto com emoção para outro, texto com cólera para alguém. Não sei. Só sei que ele me pedia com capricho, sempre.
Dei um olhada no que havia escrito nos últimos meses. Podia não ter nada de tão extraordinário, mas nada que faltasse capricho de fato. Pairei.

Mais tarde ele ligou de novo perguntando do texto.
Disse que ainda não estava pronto.
Ele me demitiu. Acho que por puro capricho.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Sede


“Os melhores perfumes estão nos menores frascos.”
Uma antiga máxima de gente chique.
Daí deve vir a moda das minigarrafas de água.
Minigarrafas azuis e verdes, de vidro.
As de plástico são de um plástico diferente. Um plástico mais firme que o das águas que gente normal bebe.
Um plástico resistente o suficiente para sustentar uma vida de plástico, talvez.