o varal
hospedava
apenas três peças
de roupa
nenhuma delas
muito velha
e todas elas
meio mortas
o peso
da água
desmaiava
mangas
pernas
e saia
a língua rosa
de tanta pastilha
sabor framboesa
dava uma cor
meio da infância
à boca
e um certo
tom de graça
tão necessário
naqueles dias
frios
de sol cenográfico
que só esquentava
o que estava
mais próximo das nuvens
o toca-discos
varria as linhas
do vinil
e levava
a sujeira
na ponta do pé
a cada giro
o pé
enroscava
no pó
limpando
o caminho
para a melodia
o pé
que nunca se cansava
só parava
quando a música enjoava
a visita chegava
a noite acabava
tirou do armário
o que não servia
não queria
e nem sabia
que tinha
tirou tudo
e colocou de volta
só o que usaria
o par de asas
ficaria ótimo
com os pés descalços
tatuava
o papel
com a caneta
de ponta mais fina
e de tinta mais forte
ele
parecia não sentir dor
ou desconforto
sua pele lisa
e antes pálida
ganhava cor
e a forma
de um livro
de poemas