Batalha

travo batalhas

sanguinárias

comigo

carrego

o pesado fardo

de perder

pra mim mesma

Tapa na cara

um raio de luz

rebelde

violou uma fresta

na cortina

e atingiu

meus olhos

o incômodo

da claridade

nada foi

perto do chamado
de liberdade
vindo de fora

Saturação

episódios

sucessivamente carregados

a fizeram

perder o controle

sair de casa

sem rumo

e sem volta

azar de quem

a encontrou

pelo caminho

para cada ira

uma dose gelada

e doses

de corpos em chamas

Sinto muito

sinto muito

por chegar na hora

no encontro que você marcou

e que você mesmo chegou atrasado

sinto muito

por ter imaginado

que naquele dia

você preferiria chá ao café

sinto muito

por entrar no quarto na ponta dos pés

no dia que cheguei do trabalho

às 3h14 da madrugada

sinto muito

por falar baixinho no seu ouvido

enrolada no lençol

as sujeiras mais lindas que sabia

sinto muito

sinto muito

por ter sentido tanto

por você

Travessa de torta

preparei

uma travessa grande

da torta

que você

descobriu comigo

que gostava

caprichei no recheio

e nem inovei

no tempero

para garantir o sucesso

do seu paladar

coloquei na mesa

esperei por você

para jantar

e nada

no dia seguinte

meu banquete quente

viraria

sua marmita fria
e um comentário:
faltou sal

Me muda

me muda

revira
meu lado de dentro
troca
o que não funciona
apaga as veias 
que saltam dos meus pés

pinta

minha cara lavada
me proíba

de dar meu suspiro
cala
meu sonho de poesia

me muda

me deixa muda

inexpressível

Tinta

calculei mal

a quantidade

de tinta

e as paredes

ficaram

mal pintadas

retoquei

com o resto

de sangue

que escorreu

da gente

ficou bonito

até parece

arte

Faixa de pedestre

é preciso

de um pouco

de coragem

para atravessar

fora das faixas

de pedestres

aquelas

com linhas paralelas

que decoram

esquinas

às vezes

meios de ruas

aquelas brancas

que o medo

pintou

no seu coração

e te disse

que são os lugares

seguros

por onde

você deve andar

é preciso coragem

para cruzar as ruas

na diagonal

sem marcação no chão

e sem a certeza

de chegar

Composição

pouco sei

de regras

e técnicas

musicais

mas sei

de ouvido

quando uma nota

está fora

as notas nossas

por exemplo

estavam dentro

e soaram

perfeita melodia

música

que durou 

poucos e intensos

dias

Bang bang

viro de costas

saio andando

mãos no bolso

só faltava poeira

saindo do asfalto

reviro

e atiro

rápido

mato

as lembranças

antes que elas

me matem

Amigdalite

perco

a voz

toda vez

que não grito

seu nome

fico

na mudez

e na nudez

de quem só queria

mudar

Água e sal

às vezes choro

de propósito

só pra sentir

água e sal 

escorrerem

até os lábios

o gosto

me faz lembrar

o amor,

digo,

o mar

Desmemória

nossa última memória

estava emoldurada

e estática

na mesa

de canto

a blusa

de lã

meio velha

que você gostava

foi se prender

bem ali

nesse canto

de mesa

nossa última memória

foi ao chão

agora

não passamos

de cacos

Alto mar

desnavego sozinha

rumo

a qualquer costa

de capitã

nada tenho

estou mais

para vento

anunciando tempestade

Aluga-se

sua estadia

em mim

durou

além do previsto

e bagunçou

minha agenda

quem queria

se hospedar

desistiu

agora

faço promoção

do peito vago

Fuga

vendo os olhos

respiro fundo

e corro

pra longe

corro

por anos

até as pernas

pararem

desvendo os olhos

e vejo

que voltei

ao mesmo lugar

só pode ser

o magnetismo

da terra

tentando

não me deixar

fugir de você

Troco

troco

o dia

pela noite

troco

o sono

pelo verso

troco

o troco

pela bala

barata

que lembra

aquela madrugada

alcoolica

em que

trocamos

beijos

e os passos

Farelo

sobre

o lençol

ficaram farelos

do nosso biscoito

preferido

aquele

de água e sal

que fizemos juntos

com o que escorreu

dos nossos olhos

em nossa
última fornada

Milagre

num excesso

de fúria

voaram copos

pratos

cadeiras

e guardanapos

da fúria

à paz

foi só olhar

para os lados:

fazer o que não voa

voar

deve ser coisa 

de gente santa

Sinal

as mãos unidas

juntas ao peito

pediam

por um sinal

qualquer um

som

vento

voz

arrepio

viu uma sombra

pela janela do quarto

o avião que passou

deu seu recado

Pulso

a batida

é sentida

na testa

vista

no pescoço

reproduzida

no estômago

o coração

deve ser mesmo

um insatisfeito:

não quer saber

de ocupar

apenas o lugar

que lhe pertence

Melodia

gotas d'água 

batem

na minha janela

e fazem barulho 

de sino

melodia

para o ritual

de esquentar 

meus pés

nos seus

Cor

dias cinzas

como hoje

combinam

com bochechas

e lábios

febrilmente

vermelhos

Índole

escrevo

versos de amor

sem amar

e poemas de dor

sem doer

nem sempre

minhas palavras

têm caráter

Crime

tenho

tendências

assassinas

mato saudades
com golpes

de falta de ar

Delay

tenho

uma espécie

de delay

quando

o assunto

é você

se nos vemos

hoje

só depois

de amanhã

sinto

sua falta

minha mente

precisa de um tempo

pra te processar

A gente

a gente

riu junto

na dor

a gente

soube

que era amor

a gente só

riu demais

e não levou
a sério

ser amantes

Identidade

se a rua

é reta

e lisa

demais

ando

no meio fio

prefiro

o tropeço

à segurança

das coisas

na impermanência
permaneço

me pertenço

Bipolar

mudo

de planos

todos os dias

ontem

não te quis

hoje

te quero

amanhã, não sei

talvez te ame

talvez você

nem esteja mais

nos meus planos

Classificados

o acaso

virou erro

cometi o erro

e o repeti

algumas vezes

o erro

que era acaso

virou obsessão

agora procuro

por esse erro

por esse/seu nome

até em anúncios

de carro

e emprego

nos jornais

Encontro

entre colchas

e coxas

me perco

em você

e me encontro

Recomeço

coloco

e tiro

recoloco

e retiro

das caixas

a falta

de rotina

que acostumei

a ter

acumulo

mais recomeços

do que fins

Detalhe

crio

com todos

os detalhes

histórias

que quero 

viver

me apego

a eles

e em cada

detalhe

me refugio

para lidar

com as realidades

das quais

não faço parte

Muito

preciso

de muito

pouco

e desse pouco

preciso muito:

amor

sarau

nossas roupas

secando

no varal

Traço

meu traço

é infantil

ainda hoje

desenho

como sempre

desenhei

o pulso torto

a mão

meio virada

a ponta do lápis

forçando o papel

numa brutalidade

de menina

meu traço

é infantil

e disso faço

um jeito

de parar no tempo

Amnésia

entre arquivos

desorganizadamente

organizados

algumas fotos

do passado

e a sensação

estranha

de olhar

algo

completamente

desconhecido

Casca

terrenos

férteis

ressecam

somente

por fora

como pele

de poeta

em madrugada

fria

Distância

uma mesa

dois copos

meia garrafa

separam

meu mundo

do seu

Ambição

ambição

de coisas grandes

tão grandes

que dinheiro

nenhum

pode comprar

mar

céu

floresta

silêncio

eu

e você

Ego

os sonhos alheios

são sempre

grandes demais

quando amar

é mais um item

na lista

das conquistas

individuais

Poemo

poemo o dia

sem ele saber

pego ele inteiro

um momento

uma metade

o que der, na verdade

e poemo

poemo o dia

e quando o faço

prendo ele inteiro

um momento

uma metade

o que deu, na verdade

no tempo

e crio

um registro

atemporal