a quem insiste
em reencontros
saiba
que em mim
nada
reencontraria
transformo
transmuto
troco de pele
não sou mais
aquele eu
entro
em mim
desço
dois lances
escuros
de escada
viro
à direita
dou de cara
com o porão
esquecido
no fundo
do peito
porão sem leito
onde deito
na poeira
das lembranças
debaixo
da pele fina
o sangue corre
com pressa
de você
passo
por entre
frestas
e fendas
e vãos
sou brisa
que entra
querendo
assentar
não sei
me esconder
você sempre
me encontra
encolhida
e meio torta
entre suas artérias
veia cava
e aorta
mudo
de casa
troco
de bairro
e fechaduras
de nada
adianta
você insiste
em lembrar
meus antigos
segredos
desafino
no
tom
engasgo
e
engulo
frases
que
ensaio
- no espelho
na
rua
no
trem -
digiro
o
que era
dirigido
para
você
coloco você
entre cascas
e talos
e papeis molhados
sufoco tudo
no plástico
e descarto
no lixo
lembranças suas
insistem
em retornar
contorno
você
com a ponta
dos dedos
faço
uma moldura
do seu corpo
penduro você
na imaginação
entre discos
e taças
e fotos
guardo
alguns destroços
dou nomes
a eles
tiro pó
passo pano
cuido
tão bem
que nem pareço
quem
um dia esteve
sob escombros
tentei escrever
sobre você
tentei falar
sobre você
pensei
se ainda devo
tentar escrever
ou falar
sobre você:
esse alguém
que já
nem me lembro
mais
a porta do elevador
se fecha
e ele desce
com você
assisto
sua última
partida
vejo
na mesa
nos quadros
nas taças
na cama revirada
que você
se recusa
a me deixar
reajustaram
minha água
meu plano de saúde
minha tarifa no banco
reajustaram
tudo
o que é meu
somente eu
sigo
em desajuste
sento
sobre uma das pernas
meio de lado
meio torta
meio ou toda
atordoada
a coluna
forma um arco
arco
com a dor
de não seguir
as posturas
me prenderam
num corpo
de gente
numa gaiola
de pele
por dentro
sou pássaro
concentro
na respiração
puxo o ar
conto o tempo
prendo o ar
conto o tempo
solto o ar
ele sai
furacão
dias de sol
crianças brincam
com suas sombras
assisto
queria eu
poder brincar
com as sombras
que me seguem
até nos dias nublados
um volta
no quarteirão
procurando
o que perdi
e nada
alguém encontrou
o que é meu
e levou
uma vida
dando volta em mim
procurando
o que perdi
e nada
ainda
não me encontrei
bato de frente
olho no olho
confronto
sem medo
não meço
palavras
ataco
reajo
no espelho
faço minha guerra
e fico
em paz
nunca guardo
poemas
na gaveta
na gaveta
guardo
a lixa de unha
os remédios
o colírio
o halls preto
o isqueiro
os incensos
na gaveta
guardo até
os cartões de visita
que nem sei
onde peguei
mas nunca
nunca guardo
poemas
na gaveta
não guardo
perecíveis
poesia
é instante