quinta-feira, 5 de julho de 2018

Por um fio


passei as mãos pelos cabelos com a desculpa de arrumá-los.
fiz dos dedos dentes de pente.
passei uma, duas, três vezes
alisando os fios com aparente carinho,
como um gato que se põe de barriga pra cima, num certo charme,
antes de se firmar no chão e atacar o passarinho.
eu, passando as mãos pelos cabelos, era o gato.
os dedos, feitos dentes de pente, logo virariam pinça
e arrancariam qualquer fio que julgasse fora do padrão.
puxei um, dois, três.
olhei de perto os fios arrancados e considerados inaptos
para permanecer nos cabelos.
procurei defeitos e inventei desculpas
que justificassem o assassinato.
tarde demais.
agora trago as mãos sujas por ter dado fim
a uma parte de mim.

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